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Sozinho eu não vou, você vem? O ministério teatral como projeto coletivo


Vou retomar aqui o tema do meu livro sobre ministério teatral: a multiplicação dos pães e dos peixes. Serei bastante simples, bastante direto, porque foi exatamente assim que esse tema me atingiu. No livro identifico uma série de princípios que acredito poderem ser aplicados à vida ministerial: autocrítica, humildade, disponibilidade, dentre outras. Aqui, porém, queria abordar apenas um aspecto, que, acredito, não me escapou de todo ao escrever o livro, mas que talvez não tenha sido devidamente tratado. Talvez seja isso, ou talvez Deus tenha guardado essa compreensão precisamente para esse momento, para que eu pudesse dizer algo ainda sobre esse texto bíblico ou para mostrar o inesgotável de sua Palavra. Então vamos lá.

Não sei quantos de vocês pararam alguma vez para se perguntar: Por que Deus multiplicou os pães e os peixes? Ou, por que Deus abriu o Mar Vermelho? Ou ainda, por que curou um cego e um aleijado? E assim por diante. Claro que ao lermos esses relatos salta-nos aos olhos a soberania maravilhosa e o poder infinito de Deus. A primeira impressão que temos é de que Deus curou, abriu mares, multiplicou pães, porque ele é livre e poderoso para agir como bem entender. Isso é fato. Há algumas semanas, porém, ao revisitar o texto bíblico, me ocorreu que Deus não fez todas essas coisas porque pura e simplesmente podia. Ele o fez também porque quis fazer.

A cena da multiplicação dos pães e dos peixes - antes de ser uma pura demonstração da virtuose divina, antes de ser uma manifestação pirotécnica da mãe de Deus - é uma expressão de Sua graça e do Seu bendito cuidado. Há no mínimo dois momentos aonde o texto mostra que Cristo olhou para a multidão e se compadeceu dela. Primeiro porque não havia quem pudesse ensiná-la, depois porque não havia quem pudesse alimentá-la. O episódio da multiplicação dos pães e dos peixes é uma lição de que Deus está sempre disposto a “tomar parte”.

Ele não está distante e indiferente; ele está presente e atento às nossas necessidades. É o testemunho de que o Deus a quem servimos não é uma energia impessoal e indiferente. É, pelo contrário, um Deus que se sente responsável por nossas vidas, por aquilo que precisamos aprender e por aquilo que temos ou deixamos de ter para comer. Deus se importa inteiramente com as nossas vidas.

Tudo bem até aí, você pode estar pensando, mas, de que modo isso se refere ao teatro que devemos praticar? Em minha opinião, de todo o modo. Ao revisitar essa passagem e ser por ela revisitado, saí convicto de que o chamado de Deus para as nossas vidas é apenas um. Deus nos chama a tomarmos parte. O ministério teatral precisa ser isso também.

Tenho ouvido de muitos irmãos a queixa de que seu grupo não amadurece, não cresce, não investe mais em sua formação “porque é um grupo muito pobre, de uma igreja muito pequena”. Assim, fica difícil comprar equipamentos, produzir figurinos, contratar oficinas. Há muita vontade no grupo, mas nenhum apoio, nenhuma condição objetiva. Confesso que esse tipo de relato não me comove mais. Se você tiver paciência para escutar um pequeno “causo”, queria fazer um pequeno parêntese.

Havia aqui em minha cidade uma série de pequenas farmácias em dificuldades por não conseguir competir com as grandes redes de farmácia. Sabe o que elas fizeram? Juntaram-se, formaram uma cooperativa e, agora, quando vão negociar com os fornecedores, não se trata mais de uma farmácia pequena que encomenda um caixa disso, duas daquilo. É um grupo de vinte compradores que tem condições de reclamar melhores preços em virtude do seu volume de compras. Depois eles dividem as mercadorias e cada um vai vender em sua farmácia. Podem até concorrer entre si. Não importa. O que importa é que, comprando juntos, conseguem o que jamais conseguiriam se continuassem comprando sozinhos.

Aqui se encerra minha historinha, mas, fico pensando: Por que nós, que afirmamos o tempo todo o caráter fraternal da igreja, não conseguimos fazer coisas parecidas? Por que cada grupo precisa juntar de forma independente seus centavos para custear oficinas? Por que meu grupo, que, eventualmente pertence a uma igreja grande, não pode custear a formação de um irmão pertencente a um grupo de uma igreja menor? A resposta talvez seja: porque nós não tomamos parte. Não nos envolvemos, não nos misturamos, estamos todos irremediavelmente isolados.

Você faz alguma idéia de como anda o ministério teatral da igreja ao lado da sua? Não faz? A razão talvez seja a mesma porque você não sabe se o irmão com quem você ensaiou ontem teve o que comer ao chegar em casa. Vivemos um cristianismo retórico, em que a fumaça importa muito mais do que tudo quanto possa provocar fogo.

Precisamos aprender a nos ver como parte integrante e integrada do projeto de Deus para esse mundo, alegrando-nos com os que se alegram e chorando com os que choram. Tomar parte, dividir, sentir-se parte, participar. O teatro é uma atividade que se realiza em grupo, mas isso precisa poder dizer mais do que pura e simplesmente que, para fazer teatro, precisamos juntar “um monte” de gente (diretor, ator, dramaturgo, cenógrafo, figurinista, etc.). Precisa dizer que, ao formarmos um ministério, instituímos um corpo, mas não um corpo isolado, independente, auto-suficiente, um corpo dentro de outros corpos e que só fazemos sentido juntos, só nos reconhecemos, até mesmo, juntos. Não conseguimos nos imaginar de outra forma. Isso faz algum sentido pra você? Então pergunte ao seu irmão o que ele pensa a respeito, afinal de contas, ser cristão é decidir nunca mais estar sozinho.
Guido Conrado é mtre em Filosofia da Arte e Estética pela PUC-Rio, coordenador do Bacharelado em Artes, com Habilitação em Figurino e Indumentária do Senai-Cetiqt. Trabalha há mais de vinte anos com teatro em igrejas e é membro da Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro.

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